segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Sujar as mãos


Uma ou outra vez Ester desejara estar doente para não ter que ir à escola. Agora que realmente estava doente e não podia ir à escola, desejava não se sentir tão mal e poder estar a brincar com os amiguinhos. Doía-lhe a cabeça e tinha muito frio. Tremia, mesmo debaixo dos lençóis e a garganta doía tanto que até lhe custava falar.

A mãe entrou no quarto com o xarope que a ia ajudar a sentir-se melhor. A pequenina fez uma careta enquanto o líquido lhe escorria pela garganta a baixo, mas não se queixou.

- A mamã tem que ir trabalhar, meu amor. Mas a avó Licínia vem tomar conta de ti. Já não deve demorar. – Prometeu. – Vou baixar a persiana para descansares um bocadinho. Tenta dormir, quando acordares, de certeza que te sentes melhor. – E deixando o quarto numa penumbra agradável e dando um beijinho leve na testa da pequenota, a mãe saiu.


Quando acordou, Ester sentia-se de facto melhor. Estava alagada em suor, mas a cabeça doía menos e já não sentia frio.

Calçou as pantufas e foi procurar a avó. Ouviu-a cantar na cozinha, enquanto se aproximava.

- Olá avó. – Cumprimentou.

- Olá princesinha. Que estás a fazer de pé? – Perguntou fingindo-se zangada. – Vá, já para a cama. Estou só a acabar de fazer o teu almoço, já vou lá ter contigo.


Obediente, Ester voltou para a cama. Estar em casa doente era mesmo aborrecido. Tinha que ficar sossegada e passava o dia sem ninguém com quem brincar, porque o Jónatas que não estava doente, não tinha desculpa para não ir à escola.
A avó apareceu no quarto com uma bandeja nos joelhos. Não podia trazê-la nos braços porque precisava das mãos para fazer a cadeira de rodas andar.

- Canjinha quentinha para a minha princesa. – Disse a avó muito bem disposta.

A Ester gostava muito de canja, mas naquele momento não lhe apetecia comer nada.

- Olha a marota da princesa a torcer o nariz! - Exclamou a avó divertida. – Vá, percebo que não te apeteça, mas as vezes temos que fazer coisas que não nos apetecem. Além disso se não comeres, nunca ficarás melhor. – Disse com paciência.

 

- Avó, porque é que fazes tantas coisas? Se estás numa cadeira de rodas, podias pedir ás pessoas para te fazer as coisas, sem tu te cansares. Quando eu estou doente, a mamã faz tudo o que eu peço.

- Isso não seria nada bonito. – Explicou a avó surpreendida com a pergunta da neta.

- Porque? Se não podes fazer…

- Mas eu posso fazer. Levo mais tempo e se calhar canso-me mais depressa, mas enquanto conseguir vou sempre fazer.

- Porque?

- Porque, as outras pessoas, tem as suas próprias tarefas a fazer. Além disso, poder fazer as coisas de que gosto com as minhas próprias mãos dá-me muito mais prazer, do que vê-las feitas pelos outros. – A avó deu-lhe outra colherada de sopa – Por exemplo, fiquei muito contente por te ter feito esta sopinha que te vai ajudar a ficar melhor depressa. E também estou muito contente por te estar a dar a sopinha agora.

- Porquê?

- Porque tu és especial e eu gosto muito de ti. – Explicou a avó. – As coisas são mais especiais quando as fazemos com as nossas próprias mãos. Apesar de as vezes ser difícil, o resultado do meu trabalho deixa-me muito satisfeita. – Mais uma colherada. – E sabes uma coisa? – Perguntou deixando a neta curiosa.

- O quê?

- Sabes que Deus fez o mundo, não sabes?

- Sei. Já aprendi na escola dominical.

- Sabes como é que Ele o fez?

Ester pensou durante um bocadinho.

- Se disseres, se calhar lembro-me!

- Ai sim? Então vou-te lembrar.  

- Deus criou o mundo apenas dando ordem para que as coisas aparecessem. Deus disse: “haja luz” e ouve luz. Também foi assim que Deus criou as plantas e os animais. Mas para criar o homem, Deus que podia apenas falar, escolheu sujar as mãos. Com as suas próprias mãos e o pó da terra, Deus fez carinhosamente cada parte do ser humano. Quando acabou de o moldar, Deus soprou nas suas narinas o fôlego da vida da vida e Adão acordou. A primeira coisa que ele viu quando abriu os olhos foi Deus. Eva foi feita da mesma maneira, moldada pelas mãos do criador. E Sabes porquê?

- Porquê?

- Porque Deus queria que percebêssemos o quanto especiais nós somos para Ele e o quanto fazer-nos o agradou.

- Já percebi avó. – Disse Ester contente. - E se Deus que podia apenas falar para as coisas aparecerem, não se importou de sujar as mãos para nos criar, nós não devemos ser preguiçosos.

- Exactamente. Mas tu hoje podes ser preguiçosa e podes dormir muito. Precisas ficar boa depressa para poderes sair desta cama aborrecida. – Lembrou a avó. – Vá, dorme mais um bocadinho enquanto eu vou lavar a loiça.


 Escrito por: Magna Santos

9 de Fevereiro de 2009

 

1 comentários:

Anónimo disse...

Gostei muito da sensibilidade e da ternura que dedicaste a este texto. Tem muito de ti e tem Céu. Continua amiga, usa esse instrumento que Deus te deu para chegares lá, através de textos como este, ao coração das pessoas sensíveis como tu. Beijinho* Dta!