sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Na Horta do Gordalhufo Cascão



Na Horta do Gordalhufo Cascão


Era uma vez um tomate encarnado

Que gostava de brilhar,

Ser o centro das atenções

Nem que para isso tivesse que dançar.


E porque tinha ele que dançar para chamar à atenção? – Perguntam vocês e com razão!

É que este tomate encarnado e brincalhão não podia falar.

Por essa mesma razão não conseguia, através da voz comunicar.


Mas comunicava,

Não pensem que não.

Toda a gente percebia

O que pensava e queria o sabichão.

Sabichão sim! Esperto sem dúvida,

desde cedo percebeu como se processava a coisa:

1º Era preciso que olhassem para ele e depois só tinha que esbracejar,

fazer gestos!

Entendem onde eu quero chegar?


Mas como fazer com que olhassem para ele?

Foi esta a sua primeira questão…

nela pensou e meditou até encontrar a solução – tornou-se músico, bailarino, actor: tudo o que entretece o pessoal.

E digo-vos que tinha para as artes um jeito sem igual.



Era uma vez, também,

Uma cenoura de baça casca alaranjada

Tímida sem igual

Gostava de passar despercebida em todo e qualquer local.


O seu dom especial não era dançar nem tocar nem fazer rir

Vejam lá que sendo surda

O que melhor fazia era “ouvir”.


Como é que isso é possível? Perguntam vocês.

E eu respondo que a capacidade de alguém para conhecer e compreender outro, não é limitada pela surdez.


Esta cenoura laranja a quem ninguém reparava,

A todos prestava atenção

Observando-os sempre,

Conhecia todos os habitantes da Horta do Gordalhufo Cascão

Como a palma da sua mão.




Certo dia estavam todos reunidos À beira do charco esperando ver a nova proeza que o tomate havia inventado. O sabichão feliz e corado a todos ria lá de cima. Fechando os olhos, respirou fundo e um silêncio profundo se fez quando ele do alto saltou. Durante o meio segundo que durou o seu salto nenhum dos presentes pestanejou. O aplauso fez se ouvir ruidoso e tal era a euforia que ninguém viu o corvo que gritava a plenos pulmões tentando avisar a multidão. Só a cenoura percebeu a urgência no seu falar e o medo que o fez fugir dali a voar. Aflita tentou pela primeira vez fazer-se ouvir, mas a algazarra era tanta que teve de desistir. Quis ser valente e decidiu que iria conseguir falar a toda a gente.


De tantas vezes observar o tomate, percebia o que tinha que fazer para a todos dizer que o perigo vinha ai e que se não fugissem, todos iam morrer. Tinha que fazer uma parvoíce qualquer, ai residia o segredo! Pensou depressa e nem se deixou invadir pelo medo. Tinha que agir e agir rapidamente porque tinha a vida de todos nas suas mãos. Subiu até ao topo da pilha de lenha de onde o tomate tinha saltado e lá do alto gritou: Fujam todos, vêm aí o Gordalhufo Cascão que trás a enxada à mão. Mas que problema, que sarilho! De toda aquela gente o tomate foi o único que a ouviu.


Agora era o tomate que não sabia o que fazer, aquela gente toda não parava de o aplaudir e de lhe dizer vezes sem conta que era o maior. Naquele momento só desejava abrir um buraco para se esconder, podia ser que assim todos percebessem o que a cenourinha queria dizer. Que trapalhada!


Pensou e pensou depressa e percebeu que se olhasse para cima e apontasse para a cenoura todos iam reparar finalmente que ela precisava falar. Olhou então para a cenoura fixamente esbracejando para ela como se estivesse com ela a conversar, ela sorriu agradecendo e de novo gritou: Vêm aí o Gordalhufo Cascão que trás a enxada à mão, fujam todos se não querem ir parar ao fogão.


A confusão foi geral, todos corriam para o seu esconderijo sem ver onde punham os pés. Todos à excepção da pobre cenoura se puseram em segurança. Ela por outro lado continuava lá em cima, não tinha forças para descer. A valentia acabara-se antes de ela o conseguir fazer. Já chorava baixinho vendo o Gordalhufo Cascão aproximar-se quando uma mão forte a puxou para baixo e num salto se viu no riacho juntamente com o tomate sabichão que lhe deu mais dois puxões e sem lhe largar a mão a levou a correr para casa onde toda a família angustiada esperava.


No quente da lareira a enxugar os dedos não se podiam sentir mais radiantes e completos. Eram diferentes de todos os demais e um do outro, sem dúvida, mas os seus corações eram iguais. Apaixonara-se e no verão seguinte tiveram o mais bonito casamento que houvera até então na horta do Gordalhufo Cascão.



Magna Santos

10 de Dezembro de 2009